terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Adorno e o início do consumo divertido

A revolução industrial não é considerada “revolução” apenas pelo salto tecnológico que houve na virada do século XIX para o XX. O surgimento das grandes indústrias, as invenções, o êxodo rural, o surgimento das grandes cidades, a formação das massas, o estabelecimento de mercados consumidores, a substituição gradual dos valores da igreja e da família para os da produção e do consumo e a importância do capital alteravam toda a sociedade. A revolução não era apenas uma questão técnica, porque o processo industrial ia além das portas das fábricas: a indústria comprava matéria prima, que passava pelas máquinas, que eram operadas por pessoas, que recebiam seus salários, que compravam produtos. Nesse processo, a compra do produto é essencial para que as máquinas continuem girando e produzindo, se possível cada vez mais em menor tempo. Afinal, um dos princípios mais básicos da economia é a lei de barganha: quanto mais se compra, maior é o seu poder de negociação de preço com seus fornecedores – e as máquinas transformavam muita matéria-prima, que eram comercializadas para uma massa de pessoas que viviam nos centros urbanos. Todo esse processo transformou valores sociais, que ganharam foco no consumo. O reconhecimento social, a valoração do indivíduo dentro daquela sociedade, vinha muito mais do modelo de carro que possuía do que da sua devoção à igreja, por exemplo.

Theodor Adorno, entre 1930 e 1940 (ou seja, em um período pós-revolução industrial) observava essas mudanças sociais impulsionadas pelos processos industriais e seus produtos, bem como a mídia de massa. Ele enxergava a proposta do capitalismo americano como a homogeinização da sociedade, desconsiderando a relevância do indivíduo. “A cultura contemporânea (de 1940) confere a tudo um ar de semelhança”, aponta. Esse processo vai além das portas da fábrica e entra em toda a sociedade, industrializando até mesmo a Arte, o que lhe incomoda profundamente. Isso porque, segundo Adorno, a indústria eliminou a Idéia da Arte para transformar apenas em técnica e efeito. Em outras palavras, o princípio questionador e provocador da arte é eliminado para que apenas algum efeito prazeiroso se realizasse. Não era necessário pensar, apenas absorver. As mídias de massa como o rádio, a TV e o cinema, que estavam no princípio de suas vidas naquela época, tinham uma produção característica e padronizada, onde Adorno afirma que já era possível saber como o filme terminaria desde seu começo, bem como o ouvido treinado do ouvinte poderia reproduzir os primeiros compassos de uma música só de ouvi-la de maneira ligeira. O próprio autor cita o exemplo do cinema sendo utilizado como puro entretenimento para as massas:

“Os próprios produtos – e entre eles em primeiro lugar o mais característico, o filme sonoro – paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, presteza, dom de observação, conhecimentos específicos, mas tambémde tal sorte que proíbem a atividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os fatos que desfilam velozmente diante de seus olhos. (...) Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente”. (ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. “A Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas”. In “Dialética do Esclarecimento”. Rio de Janeiro, Ed. Jorge Zahar, 1985)

A indústria cultural é a indústria da diversão. Adorno já identifica aqui as produções culturais como mediadas pelo entretenimento, tratando elas próprias como uma continuação do processo industrial, um “prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio”. Busca-se o entretenimento como uma forma de fuga da realidade, do cansaço do trabalho, para que se ganhe energias para voltar a enfrentá-lo. O prazer é necessário para que se tenha energias para enfrentar o próximo dia na fábrica e no escritório. Por isso que o conteúdo dessa produção cultural não exige do espectador nenhum raciocínio, não exige pensamento, esforço intelectual algum. Para Adorno a produção é estrategicamente planejada para que qualquer esforço intelectual seja evitado, encadeando uma idéia a outra, uma situação possível a uma imediatamente anterior, “e não da Idéia do todo”. E aqui fica claro que para Adorno isso é feito de maneira pensada, profissionalmente, onde alguém que domina a técnica propositalmente exclui qualquer conteúdo que force seu espectador a ter algum esforço intelectual. Como uma ferramenta do dominante, cruel e minuciosamente planejada, a produção cultural é feita de maneira a acostumar o público ao próprio processo industrial durante seu período de ócio. “Assim como o Pato Donald dos cartoons, assim também os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem” (pg 130). Essa produção cultural surge como uma forma de fugir do real.

Adorno não enxerga nenhum valor nos meios de comunicação de massa da época. Se deixassem de existir, o consumidor não sentiria sua falta. “Esse fechamento de rádios e cinemas não seria nada de comparável a uma destruição reacionária de máquinas (pg 130)”. E isso se dá porque assim como faziam os desocupados de passarem o tempo olhando para a janela, ou sentados no banco da praça, passam agora na frente da TV ou dentro da sala do cinema. “Essa aparelhagem inflada do prazer não torna a vida mais humana para os homens”.

Adorno nota nesse período que a produção do entretenimento não se limitava apenas aos meios de comunicação de massa: ao cinema, à TV, ao rádio. Durante o momento do entretenimento, os astros apareciam associados à produtos. “O puro entretenimento em sua lógica, o abandono descontraído à multiplicidade das associações e ao absurdo feliz, é cercado pelo entretenimento corrente: ele é estorvado pela contra-facção de um sentido coerente que a indústria cultural teima em acrescentar a seus produtos e de que ela, ao mesmo tempo, abusa espertamente como um mero pretexto para a aparição dos astros” (133).

A leitura do texto de Adorno traz um conteúdo que é bastante atual. As práticas do capitalismo contemporâneo se mantém com um enfoque no "consumo com entretenimento", onde a todo momento se nota a criação de mundos do consumo sustentados pela ilusão da marca. Como símbolo dessa aliança estratégica temos o Advergame, onde o meio "mundo virtual" permite a materialização dos argumentos publicitários.

ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. “A Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas”. In “Dialética do Esclarecimento”. Rio de Janeiro, Ed. Jorge Zahar, 1985