quinta-feira, 13 de março de 2008

O inferno na terra do Tio Sam

“Iced” é o nome do jogo. Você é um imigrante ilegal nos Estados Unidos. Prepare-se para enfrentar o inferno na Terra.


Mais um da série “jogos politicamente corretos”.

Na verdade, esses são os “serious games”, ou jogos cujo conteúdo é educativo. Há algum tempo atrás já coloquei aqui jogos que falam sobre o uso da energia elétrica e o impacto ambiental de cada modelo. Mas neste caso, o assunto é mais delicado.

ICED é a abreviação de I Can End Deportation (eu posso acabar com a deportação) e também é o nome desse jogo. Você pode baixá-lo aqui (74 mega). É necessário instalar!

Neste jogo, você escolhe entre um dos 5 imigrantes, cujo objetivo é virar um cidadão norte-americano. Na imagem abaixo você todos os personagens.

São eles, da esquerda para a direita:

· Marc, um haitiano que virou soldado, foi esquecido pelo governo americano e agora busca asilo;

· Ayesha, a super-CDF indiana.

· Javier, skatista mexicano sem documentação;

· Suki, estudante japonês que conserta computadores pra pagar seus estudos

· Anna, polonesa maconheira que foi pra América pra ser atriz.

· Ao fundo, o agente da ICE, que te persegue por qualquer motivo.

No jogo você deve responder às perguntas da imigração corretamente. Se tiver muitas respostas erradas, você acaba sendo preso “sem respeito aos seus direitos humanos” (frase retirada da descrição do jogo).

Minha experiência com o jogo

1) Escolhi a Polonesa maconheira – não que isso faça diferença no jogo. Aparentemente, nada muda ao escolher outros personagens. A mensagem que fica é, na verdade, que “qualquer um pode ser pego pela malvada imigração”.

2) Comecei a andar pela cidade – dizem que são as ruas de Nova Iorque, mas o gráfico não é tão bom assim para afirmar que estamos de fato lá. Pra falar a verdade, o gráfico é bem ruim. O personagem anda estranho e algumas coisas são fora de proporção.

3) Assinei uma petição contra o aquecimento global, doei sangue e adotei um animalzinho abandonado – essas coisas te dão pontos à favor. Parece que, se sou pego pela ICE (imigração), eles levam em consideração as minhas boas ações.

4) Vi um revolver no lixo e um carro aberto com as chaves na ignição – advinha o que acontece quando eu mexo nessas coisas?

5) Pixei um muro – ok.... fiquei curioso. Achei um muro bem grande com umas latas de tinta perto e não resisti. Acabei sendo pego e parei no centro de detenção.

6) Fui pra dentenção em Louisiana – quando mudo de cenário, o jogo apresenta textos que contam o que aconteceu no processo. Nesse caso, eu saí de Nova Iorque e fui pra bem longe dessa cidade, “centenas de milhas de distância dos meus amigos e parentes”, como aparece escrito. Meu objetivo mudou: preciso me manter longe de problemas e aumentar minha moral dentro da prisão (com os policiais!!)

7) Participei de uma greve de fome Ora! O texto foi tão claro!! Dizia que, em alguns dias de calor, o suor dos serventes pingava na comida!

8) Fui pra solitária – essa eu vou traduzir na íntegra: “Agora você está “no buraco”, onde você perderá todo o conceito de tempo. Como você não pode fazer nada à respeito, e talvez esteja até acorrentado, você pode sofrer grave ansiedade ou até ficar louco. Estar “no buraco” também fará você vulnerável à estupros”.

9) Esperei... – fiquei na solitária mesmo? O jogo ficou parado por quase 1 minuto, tudo preto...

10) Recebi convite para voltar voluntariamente para o país – Ooohh... então era disso que estávamos falando! Que bando de agentes sem-vergonha... Vou aceitar.

11) Fui deportado!Mais um texto, explicando que “o crime da Anna (meu personagem) foi ter fumado maconha quando era adolescente. O meu advogado era um falsário e não me deu minha cidadania. Por isso, passei 3 anos na prisão e paguei 10.000 dólares pra conseguir voltar para meu país de origem

12) Recebi um convite para participar de uma pesquisa online – depois de jogar, a empresa oferece uma pesquisa, onde repete algumas das perguntas feitas no jogo. Aparentemente, serve para medir se o conteúdo foi realmente aprendido.

(Olha o agente da ICE aí. Esses caras te perseguem nas ruas, nos parques, dentro da prisão e até dentro do banheiro. Parece que o objetivo de comunicação do jogo é provar que os policiais não prestam.)



Tentei mais uma vez...

E aí que eu notei. O texto INDUZ você a tomar as decisões que um provável imigrante tomaria. Algo como “participe das eleições! Seu voto pode fazer a diferença para outros imigrantes!”. Clique em “sim” para que a polícia venha correndo atrás de você, assim como acontece na vida real, nos Estados Unidos. Será?

A linguagem do jogo é bastante ofensiva. Perguntas como “a comida da prisão cheira a vômito. Você quer comer?” são péssimas, onde qualquer pessoa normal responderia “não”. Faça isso e perca o jogo. Outros tipos de texto como “você recebeu visita da sua família. Vê-la dói tanto que você preferia que não tivessem vindo” apelam para o lado emocional do jogador, induzindo-o a tomar certas atitudes.

Ganhar o jogo é difícil – mas há uma maneira. Quando houver algum tipo de pergunta, responda a que parecer mais cruel e desumana. Quando precisar escolher um caminho, seja sempre um anjinho, ajude o próximo e evite confusão.

O objetivo do jogo pode ser se manter no país. Mas o objetivo da empresa que o montou é, aparentemente, fazer com que o jogador perca. Algo como ter a experiência de ser um imigrante nos Estados Unidos.

Segundo a própria empresa Breakthrough, que fez o jogo ICED, seu objetivo é ensinar aos jogadores como lidar com a situação de ser um imigrante ilegal nos Estados Unidos porque, segundo eles, o país não é justo com seus imigrantes.

Veja uma reportagem da Globo à respeito desse jogo

É isso que acontece...

Isso parece característico das propagandas de ONGs: não há uma que aborde o tema sem ir com os dois pés no peito do criticado. Não tem como não sair do jogo sem ter a certeza de que o governo americano é injusto com os imigrantes.

Lembrei-me de um texto de Gonzalo Frasca, ludólogo, onde diz “apesar de ser um grande apoiador do conceito do designer de jogos eletrônicos como um autor – e é verdade que muitos deles utilizam o jogo como meio para expressar seus pensamentos – o objetivo principal deles é entreter. Publicitários, no entanto, usam o entretenimento como meio mas não como um fim. O que querem é promover suas marcas e produtos e, por causa disso, vêem nos jogos um meio de persuadir o cliente”.

Entendo que o jogo queira ter conteúdo educativo, crítico. Mas, diferente de um jogo de verdade, este não é divertido. Talvez seja o tipo de coisa que as escolas empurram goela abaixo de seus alunos para que aprendam de um jeito diferente, mas não que um publicitário, ou melhor, um comunicólogo, apresente como proposta.

De qualquer maneira, admito: eu entrei no site, vi o jogo, puxei de curiosidade, joguei, achei ruim, contei pros amigos e falei “depois eu te mostro como é ruim”. E agora, senhores publicitários? Consideramos que o jogo “funcionou” como comunicação ou não??



(Sem qualquer delicadeza ou bons modos, a mensagem que o jogo passa é: O Tio Sam quer que VOCÊ caia fora do país!)

Nenhum comentário: